O adultério feminino mediado pelo olhar de Monique Rutler ou o charme discreto de uma burguesia republicana e falsa-moralista

Autores

  • Ana Catarina Pereira Universidade da Beira Interior

Resumo

A década de 90 seria um período marcante na História do Cinema Português. Uma democracia recentemente conquistada (1974), a entrada do país na União Europeia (1986) e a tentativa de promulgação de medidas que fomentassem a igualdade de oportunidades, geravam debate e questionamento. Alguns dos mais densos filmes então estreados — de Teresa Villaverde, Pedro Costa, Margarida Gil, João Canijo, Solveig Nordlund ou João César Monteiro — revelam distanciações fracturantes, enquanto denunciam os inúmeros problemas que asfixiam determinados segmentos da sociedade. As imagens de crianças e adolescentes que crescem e que são educadas num país de instabilidade face ao novo, subúrbios marginalizados e injustiças perenes seriam dominantes na cinematografia daqueles anos.

Neste contexto, Monique Rutler decide realizar um filme de época. Olhando o passado, questionou o presente e perspectivou um futuro que poderia retroceder, caso não se prestasse a devida atenção aos poderes instituídos e se consentisse no tratamento discriminatório de mulheres e operários. Depois de intensas pesquisas, a cineasta franco-portuguesa revelou novamente a história de Adelaide Coelho da Cunha, filha do fundador do jornal Diário de Notícias, e primeira mulher de um dos seus directores, internada e sujeita a tratamentos psiquiátricos indevidos, por ter escolhido viver um amor adúltero.

A denúncia deveria ter suscitado o escândalo e a consternação, motivado o público e conhecido uma maior distribuição pelas salas de cinema. Todavia, a terceira longa-metragem de Monique Rutler parece ser, em todos os sentidos possíveis, uma história maldita. Estreado comercialmente no ano de 1992 em apenas três salas do país, o filme não foi além dos 2706 espectadores.[1] Por outro lado, sendo uma das mais marcantes narrativas sobre a condição feminina num determinado período da História de Portugal, é também uma das mais esquecidas. O propósito deste artigo é assim o de chamar a atenção para a invisibilidade de um caso verídico de graves atentados a princípios éticos e deontológicos — não apenas universais, mas também, e particularmente, dos profissionais de saúde.


[1] Dados fornecidos pelo Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA).

Biografia do Autor

Ana Catarina Pereira, Universidade da Beira Interior

Professora, assistente-convidada, na Universidade da Beira Interior. Doutoranda em Ciências da Comunicação na mesma universidade, investigadora do LabCom e bolseira da Fundação para a Ciência e Tecnologia.

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Publicado

2014-06-21